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INFORMAÇÕES SOBRE DROGAS |
I - COCAÍNA OU CRACK?
Neste artigo detalharemos algumas características da cocaína, a mais conhecida das substâncias estimulantes do SNC.
A cocaína é um alcalóide extraído das folhas do arbusto “Erythroxylon Coca” nativo dos planaltos andinos (América do Sul). Existem mais de 200 espécies deste arbusto, porém pouco mais de uma dezena de espécies podem ser usadas na produção da cocaína. O conteúdo do alcalóide também varia dependendo da espécie, mas quanto maior a altitude em que o arbusto for cultivado, maior a concentração do mesmo. É interessante notar que toda a colheita é feita manualmente e dependendo do clima e da região, é possível fazer de duas a seis colheitas anuais.
Historicamente, quando os espanhóis descobriram a América e entraram em contato com o Império Inca, o consumo de coca que até então era privilégio da corte e considerado presente dos deuses, passa a ser disseminado por toda a população, chegando também à Europa. Cabe ressaltar que há indícios de consumo de coca na América muito antes do Império Inca surgir.
Ainda hoje é reconhecida a prática de mascar folhas de coca para tirar a fome, fadiga e enfrentar a altitude. No entanto, ao mascar-se folhas de coca não se sente a euforia típica de outras formas de consumo.
Cientificamente falando, o alcalóide da cocaína foi isolado pela primeira vez em 1860 na Alemanha. Foi usado pela primeira vez como anestésico local em 1880. Nas décadas de 1880 e 1890, a cocaína foi usada amplamente para a cura de muitas enfermidades e na composição de diferentes produtos como vinhos, chãs etc. De fato, a cocaína seduziu diversas personalidades com a promessa de ser quase miraculosa. Em 1884, Sigmund Freud publica o livro “Uber Coca” (sobre a cocaína), no qual louva os efeitos dela. Na época, Freud, além de consumi-la, a ministrava a diversos pacientes para diferentes patologias nervosas. Inclui-se neste fascínio a famosa coca-cola, criada como um produto tonificante e não alcoólico que até 1903, continha 6 mg de cocaína. Para atender as exigências posteriores do mercado e é claro, as inúmeras reclamações da população, a cocaína foi substituída por cafeína.
Destaca-se que a quantidade de cocaína ingerida pelos Incas era baixa, estima-se que a média era de 60 gramas de folha de coca por dia, considerando que a concentração do alcalóide por folha é de 0,5 a 0,7% e que apenas uma parte é absorvida na digestão, a dosagem consumida devia ser de 200 a 300 gramas por dia do alcalóide. As novas preparações de cocaína produzidas a partir de 1880, bem como as novas dosagens e as novas vias de administração, foram provavelmente as primeiras mudanças em mais de 4000 anos. Chegou-se a consumir na Europa daquela época 5 a 8 vezes mais cocaína do que os Incas no Peru.
Em 1914, a cocaína juntamente com a morfina e a heroína foram classificadas como narcóticos e tiveram seu uso restrito.
Para entendermos o processo de obtenção de cocaína verificamos que as folhas de coca são primeiramente convertidas em pasta, misturando-se as folhas maceradas com solventes tipo bicarbonato de sódio ou querosene. Segue-se a produção de cloridrato de cocaína (pó), processo este, mais complexo que necessita de equipamento específico.
A cocaína é bem absorvida por todas as vias de administração: cheirada, fumada, injetada por via endovenosa e/ou absorvida por mucosas. A cocaína é vendida nas ruas como pó impuro (misturada com talco, açúcar, farinha etc.), para cheira-la, o pó é distribuído sobre uma superfície lisa (geralmente um vidro) em linhas delgadas com 3 a 5 cm de comprimento, cada uma com aproximadamente 25 mg da substância ativa, é cheirado então, através de um canudo ou papel enrolado. Os efeitos surgem entre 30 segundos e 2 minutos após cheirar e começam a se dissipar após 40 minutos. A cocaína não desaparece rapidamente do corpo, sendo provável encontrar traços em amostras de urina por 3 dias ou mais.
A primeira forma de fumar cocaína foi obtida misturando-se a pasta original com querosene, ácido sulfúrico e carbonato de sódio. Depois esta pasta é misturada ao tabaco ou a maconha para então ser fumada. Já o crack, outra forma de obter cocaína fumada, é obtido misturando a cocaína (pó) com bicarbonato de sódio (ou outra base forte) e água. Esta mistura é aquecida produzindo um precipitado alcalino da cocaína ou melhor dizendo, a pedra de crack.
É importante lembrar que a cocaína fumada ou crack é absorvida tão rapidamente quanto à cocaína injetada, disto decorrem as suas complicações.
Injetar cocaína na veia, além da gravidade da própria droga, traz todas as conseqüências de injetar-se substâncias não esterilizadas com apetrechos muitas vezes sujos e/ou compartilhados.
No Brasil, a cocaína certamente não é a droga mais consumida, no entanto, a sua relação com atividades ilegais, especificamente com o tráfico, a torna um objeto de grande preocupação. Em um importante e recente estudo brasileiro de 2005 encontraram que 2,9% dos entrevistados tinham usado cocaína alguma vez na vida. Houve um aumento de 0,6% em relação a um estudo anterior de 2001, embora não estatisticamente significativo. Estes dados são bem inferiores aos dos EUA (14,2%), Reino Unido (6,8%) e Chile (5,3%). A prevalência de consumo na vida de crack foi de 0,2% sendo 1,5% quando se considerava só o sexo masculino.
O diagnóstico da dependência de cocaína segue as mesmas diretrizes da dependência de álcool discutida no artigo anterior. Mas, resumidamente podemos dizer que os critérios diagnósticos atuais focam menos na quantidade e freqüência e mais no grau de problemas que o consumo da droga traz. Isto é, o quanto que o indivíduo abandona as suas atividades (profissionais, acadêmicas etc.), as suas relações afetivas e até mesmo seus interesses pessoais com intuito de procurar, usar ou recobrar-se dos efeitos da droga. Há algum tempo fui procurada por um jovem que julgou que seu consumo de cocaína estava lhe causando problemas. Isto se deu quando percebeu que tinha vendido a bateria que acabara de ganhar dos pais e tinha saído da banda que ajudara a criar para manter o consumo de cocaína que não conseguia mais deixar.
Os efeitos agudos da intoxicação por cocaína incluem euforia inicial (sensação de prazer) que pode evoluir para irritação, sensação de aumento de energia e melhor funcionamento; diminuição do apetite, da necessidade de sono, do cansaço e da fadiga. Aumento da ansiedade, podendo até aparecer idéias persecutórias e alucinações. Fisicamente provoca aumento da freqüência cardíaca, da temperatura corpórea, da freqüência respiratória, sudorese, tremor de extremidades e dilatação pupilar.
Entre as complicações do uso da cocaína temos: infecções (uso endovenoso-EV), arritmias cardíacas, hipertensão, infarto agudo do miocárdio, pneumonias (uso EV), edema pulmonar (uso EV), convulsões, AVC, atrofia da mucosa nasal, perfuração do septo nasal, queimaduras de mãos, boca e vias aéreas superiores (crack) etc.
Sintomas agudos de abstinência são chamados de crash e costumam ocorrer após algumas horas do último episódio de consumo intenso de cocaína. Observa-se amotivação, depressão, sonhos vívidos e desagradáveis, insônia ou hipersonolência e aumento de apetite. Este quadro dura poucos dias e depois a fissura ou desejo intenso de consumo reinstala-se com revigorada intensidade.
Esse texto foi originalmente publicado na Revista Proteger. Patrícia B. Hochegraf é médica psiquiatra, Coordenadora do Programa de Atenção à Mulher Dependente Química (PROMUD) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HC-FMUSP) e Doutora em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria do HC-FMUSP).
Correspondência: Rua Piracuama 280 cj93. Perdizes – São Paulo – SP – Brasil. CEP 05017-040.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
1. Costa Leite M, Andrade AG. Cocaína e Crack. Artmed. São Paulo. 1999.
2. Schuckit M. Abuso de Álcool e Drogas. Artes Médicas. São Paulo.1991.
3. Lowinson JH. Substance Abuse. William & Wilkins. Baltimore. 1992.
4. Carlini EA. II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil:2005. SENAD. Brasília. 2007.
II - ANFETAMINAS E SEUS DERIVADOS
Abordaremos neste artigo outro importante grupo de drogas estimulantes do Sistema Nervoso Central (SNC): as anfetaminas e seus derivados. Estas são mais conhecidas como rebite pelos motoristas que precisam dirigir longos períodos sem sentir cansaço, como bolinha pelos estudantes que precisam ficar a noite toda acordados, como fórmulas ou remédios para emagrecer e também como energizantes para raves e baladas.
Historicamente, a primeira anfetamina foi sintetizada na Alemanha em 1887, porém só foi introduzida na prática clínica como um substituto da efedrina em 1932. Na época era vendida sem prescrição médica como inalante para o tratamento de congestão e asma. Em 1937 acontece o primeiro uso em crianças hiperativas. Também foram usadas pelos soldados durante a II Guerra Mundial para combater a fadiga, elevar o humor e resistir mais. Na década de 50, os soldados americanos na Guerra da Coréia começaram a misturar anfetaminas com heroína dando origem às speedballs. É a partir da década de 70 que aparece claramente um uso crescente tanto legal quanto ilegal. Já em 1987, uma forma de metamafetamina que podia ser fumada é criada: o ice. Droga esta, poderosa e extremamente tóxica, mas, que ainda não se disseminou no Brasil.
É importante ressaltar, que diferentemente da maioria das outras drogas, as anfetaminas têm ainda um lugar reconhecido na medicina moderna, sendo usadas para o tratamento da narcolepsia, déficit de atenção, obesidade mórbida, entre outros.
As anfetaminas clássicas e seus derivados são encontrados no mercado com diversos nomes comerciais como maz?indol ( absten plusr, fagolipor, moderiner ), anfepramona ou dietilpropiona (dualidr, hipofaginr, inibexr), femproporex (desobesir); dextroanfetamina, metilfenidato, pemolide, entre outros.
Além das anfetaminas clássicas e seus derivados, temos as chamadas anfetaminas de desenho cujos exemplos são: MDA, MDMA (ecstasy), MDEA (eve), MMDA (dom ou stp), entre outros.?As anfetaminas de desenho combinam o efeito estimulante das anfetaminas clássicas com efeitos alucinógenos semelhantes a mescalina. Tanto as anfetaminas clássicas quanto as de desenho são sintetizadas em laboratório, daí o fato de freqüentemente aparecer uma droga nova no mercado.
Em um recente trabalho epidemiológico brasileiro, verificou-se que a prevalência atual do consumo de anfetaminas foi de 3,2% e destaca-se que foi a única droga que teve um aumento significativo de consumo comparado com o mesmo levantamento feito em 2001. Outro dado interessante que eles observaram foi que esta é uma classe de substâncias mais consumida por mulheres (mulheres consomem duas vezes mais que os homens) diferentemente do que acontece com outras drogas como a heroína e o álcool. O consumo no Brasil é semelhante ao da Holanda, Espanha, Alemanha e Suécia; mas, inferior aos EUA.
O diagnóstico de dependência de anfetaminas é o mesmo que já descrevemos para álcool e cocaína. Envolve também a presença de síndrome de abstinência, tolerância, o uso por um tempo maior que o pretendido, desejo persistente de parar ou tentativas mal sucedidas de faze-lo, manutenção do consumo mesmo sabendo dos prejuízos, físicos, psíquicos e/ou sociais, abandono de atividades usuais em prol do uso da droga, um enorme tempo gasto consumindo, procurando ou recuperando-se dos efeitos causados pela droga, entre outros.
Todas as anfetaminas são prontamente absorvidas por via oral e têm um rápido início de ação (mais ou menos uma hora). As anfetaminas clássicas são também usadas de forma endovenosa, o que sempre leva a uma ação muito rápida. Tanto as anfetaminas clássicas quanto às de desenho podem ser cheiradas.
Deve-se sempre ter em mente que estas substâncias causam tolerância, isto significa que são necessárias doses maiores para ter o mesmo efeito ou que terão seu efeito reduzido ou anulado caso usem-se as mesmas dosagens. Em outras palavras, aquela anfetaminas usadas para emagrecer depois de um tempo perdem a eficácia. Especificamente, a supressão do apetite deixa de acontecer após 6 a 12 semanas.
Os efeitos resultantes da intoxicação começam a desaparecer após 24 hs. e somem completamente no máximo em 48 hs. À semelhança do álcool, estas drogas causam síndrome de abstinência, isto é, após a redução ou parada de um uso prolongado podem aparecer ansiedade, tremores irritabilidade, fadiga, sonolência e uma fome insaciável. Estes sintomas atingem seu auge em 2 a 4 dias e, em geral, se resolvem em uma semana embora o desânimo e a depressão possam persistir por alguns meses. O sintoma mais sério e preocupante, no entanto, é a depressão que pode ser particularmente grave e vir associada com ideação suicida, este sintoma é mais freqüente após o uso prolongado de altas doses.
Seguindo-se a uma única e baixa dose de anfetamina, algumas pessoas já apresentam irritabilidade, agitação, ansiedade, dor de cabeça e/ou palpitações. Pode desencadear euforia em pacientes bipolares e piorar a psicose em pacientes esquizofrênicos. Porém os efeitos procurados pelos consumidores são: relaxamento e diminuição da fadiga (é claro que o aumento de metabolismo resultante implica em um esgotamento do organismo), autoconfiança, sensação de alerta, melhora da atenção, diminuição do apetite e aumento do limiar para a dor.
Já com doses mais elevadas ou na chamada overdose de anfetaminas nada mais ocorre do que a exacerbação de seus efeitos farmacológicos e isto inclui: dilatação de pupilas, inquietação, tremores, reflexos exagerados, crises de pânico, tontura, confusão e extrema irritabilidade. As pessoas ficam hiperalertas, falantes e podem ficar insones por vários dias. Podem ter também dores de cabeça, sudorese, náuseas, vômitos, diarréia e dores abdominais. Chegam a desenvolver um quadro psicótico indistinguível de uma esquizofrenia com delírios persecutórios e alucinações ou um quadro semelhante à fase maníaca do transtorno bipolar. Finalmente, arritmias cardíacas, hipertensão, hemorragia cerebral, coma, convulsões e até morte podem ocorrer.
Já as anfetaminas de desenho são consideradas estimulantes e energizantes, aumentam a sensação de proximidade com os outros e consigo mesmo, aumentam a sensação de luminosidade dos objetos circundantes e aumentam também a sensação de alerta. O ecstasy, tão na moda nos últimos anos, faz em geral com que a pessoa se sinta mais confiante e feliz. Porém, a hipertermia que ocasiona pode levar a uma desidratação importante ou a beber excesso de liquido em um curto espaço de tempo afetando o funcionamento cerebral. Podem também causar taquicardia, trismo (travamento da mandíbula), bruxismo (ranger de dentes), boca seca, diminuição da concentração e insônia.
Os usuários de baixas doses de anfetaminas e seus derivados podem manter os efeitos de ativação comportamental e elevação de humor por longos períodos, enquanto desenvolvem tolerância para os efeitos anoréticos e euforizantes. Portanto, usuários crônicos podem não ser diagnosticados a não ser que aumentem a dose para sentir-se intoxicados ou parem e tenham uma síndrome de abstinência. Estima-se que 50% dos indivíduos que usam de 30 a 100 mg por dia de anfetamina por pelo menos 3 meses desenvolverão sintomas psicóticos. Alguns trabalhos recentes sugerem que o uso crônico leve a degeneração das células cerebrais.
Para finalizar, no tempo que este artigo leva para ser publicado, outras drogas semelhantes, mais poderosas, mais perigosas e mais dependogênicas podem estar sendo despejadas no mercado. Mercado, este, sempre ávido por novidades e nem sempre preocupado com os riscos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. Fourth Edition. APA, Washington, 1994.
2. Carlini EA. II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil:2005. SENAD, Brasília, 2007.
3. Ciraulo DA, Shader RI. Clinical Manual of Chemical Dependence. APA, Washington, 1991.
4. Kaplan HI, Sadock BJ, Grebb JA. Compêndio de Psiquiatria. Artmed, Porto Alegre, 1997.
5. Milhorn HT. Chemical Dependence. Springer-Verlag, New York, 1990.
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